← Back Published on

Crítica de “Parasita”, de Bong Joon-ho [crítica de filme]

Indo na mesma direção que “Assunto de Família” para desconstruir o caráter moralista dos núcleos familiares, “Parasita” assume uma forma mais dinâmica de representação, utilizando-se para isso da troca de gêneros cinematográficos. Através desse ponto, é conferida uma maior complexidade ao longa, que apesar de estabelecer paralelos entre um meio social e outro, não se encerra num método comparativo.

O filme estabelece as relações de classe de maneira alegórica, puxando com a ficção e a aventura as sutilezas da exploração humana. O aspecto da “troca de identidades” evocado pelo filme também expõe a facilidade com a qual papéis são assumidos dentro da atual sociedade, através de falsificações, planos ensaiados de maneira teatral, enrolações.

É descortinado, inúmeras vezes, um caráter ridículo da família abastada, em contraste com a esperteza e sagacidade dos outros. Essa imagem de 'ingenuidade' dos ricos, pontuada por Kim, vai assumindo uma face revoltante ao longo do filme. Afinal, a quem é permitido ser ingênuo?

Apesar dos diversos planos e estratégias inteligentes usadas pelos 'parasitas' aqui retratados, um ar de desesperança surge em vários momentos. Os planos para o futuro são dispensados em certo ponto, afinal, "sem plano, nada pode dar errado", como afirma Kim. Essa perspectiva é ainda fixada quando Da-hye senta no vaso sanitário em meio a uma enchente para fumar um cigarro. Mas os sonhos voltam a aparecer quando não resta mais nada. A câmera é precisa: Tanto na abertura, quando no fechamento do filme, ela se apresenta no mesmo ambiente, diante do mesmo ângulo. Os verdadeiros papéis não mudaram – a estrutura das classes continua estática.

Outra percepção curiosa são as marcas de distinção social. O cheiro é um exemplo fortíssimo: a patroa está sempre incomodada com o cheiro de Kim, principalmente, que exala algo parecido com “o odor especial das pessoas que andam no metrô”. Essa descrição, feita pelo pai de família rica, associada à cena de máximo êxtase do filme – em que o embate social é traçado – denuncia a ojeriza de classe provocada nele. Ao mesmo tempo, considera que seria sexy caso a mulher usasse uma ‘calcinha barata’ que foi encontrada no carro, demonstrando curiosidade pelo que lhe é exótico.

Vale prestar atenção ainda na relação entre os dois núcleos de proletários. O marido da ex-empregada da casa conta a Kim que não se sente infeliz, ainda que more num porão abandonado. Essa passividade surpreende o pai de família e ainda que os dois estejam numa situação semelhante, lutam um com o outro pela ocupação de espaços.

Verticalmente sobreposta nas cabeças dessas famílias durante todo o filme, a violência é presente - seja de forma silenciosa, rastejante ou sanguinária.